Artigo publicado no Jornal da Cidade
No último dia 18, o agronegócio foi surpreendido com a notícia de recuperação judicial da gigante Agrogalaxy, holding que comporta diversas empresas do setor, sendo anunciado um passivo de mais de 4.5 bilhões de reais.
A fim de garantir a continuidade das atividades da empresa, a juíza Alessandra Gontijo do Amaral, da 19ª Vara Cível de Goiânia, concedeu em decisão liminar o impedimento de rescisões contratuais e a cobrança das dívidas pelos credores enquanto não for deferido o processamento da Recuperação Judicial, que deve se dar no próximo mês.
A Agrogalaxy é atuante em várias frentes agrícolas Brasil afora, atende dezenas de milhares de clientes, realizando venda de insumos e sementes, assessoramento ao produtor, estoque e armazenagem de grãos e a comercialização do produto. A depender da região, é o principal ponto de referência do pequeno e médio produtor que necessita comprar os insumos para sua lavoura e posteriormente vender a colheita, ou então depositar os grãos excedentes para negociações futuras.
O colapso de uma empresa tão importante não se deve a apenas um fator. É claro que a tempestade perfeita – em seu pior sentido – que atingiu a última safra (2023/24), com baixa produtividade, queda no preço de venda e alto custo de produção, foi fator determinante para a recessão, uma vez que parte do endividamento contraído pelos produtores foi justamente com empresas como a Agrogalaxy e suas subsidiárias. Entretanto, o entusiasmo excessivo gerado pelos preços e produções recordes das safras anteriores pode ter contaminado a tomada de decisão do conglomerado, que acelerou as aquisições e fusões com outras empresas a partir de recursos captados no mercado de capitais, endividando sua operação.
Agora, com a medida judicial em andamento, busca a empresa aplacar os resultados negativos decorrentes do cenário recessivo que enfrenta. Além dos grandes credores, como bancos e fundos de investimento, o produtor rural também pode sair lesado dessa operação. A empresa listou na ação todos aqueles que possuem grãos depositados em seus silos indistintamente, ou seja, mesmo que o produtor não tenha vendido sua produção a Agrogalaxy, mas apenas depositado seu excedente, optou-se por reter tudo o que está com ela armazenado.
O depósito de grãos em armazém geral (silos) é prática corriqueira na agricultura, razão pela qual existe regulação legal a seu respeito desde o início do século passado, inclusive com previsão no Código Civil atual. Por meio desse instrumento, o produtor deposita seus grãos na empresa-depositária e, quando assim estipulado, paga uma taxa pela armazenagem deles; em contrapartida, a empresa-depositária pode comercializar essa produção desde que a disponibilize ao depositante quando por este requerido. Em outras palavras, a empresa não é obrigada a manter em sua guarda o mesmo grão depositado pelo produtor, mas sempre que lhe for requisitado deverá entregar produto em mesma quantidade e qualidade.
Portanto, o depósito não significa a venda da produção para a empresa com preço a fixar, pelo contrário, os grãos continuam pertencendo ao produtor-depositante na mesma quantidade e qualidade de quando foram depositados, podendo ele vender a depositária ou a outra que melhor lhe convir.
O artifício utilizado pela Agrogalaxy, sob essa ótica, pode ser interpretado como ilegal, já que inclui inadvertidamente bens (grãos) de propriedade de terceiros no seu processo de recuperação, violando seu dever de depositária, já que tem postergado a entrega do produto ou do equivalente em dinheiro para final do ano, pouco lhe importante as necessidades e as obrigações dos produtores-depositantes para esse início de safra 2024/25. É certo que a lei do mais forte não pode vigorar num Estado Democrático de Direito, de modo que o direito à recuperação judicial da gigante do agro não pode mitigar tantos outros direitos do pequeno e médio produtor rural.